Coord.: Ângela BARRETO XAVIER (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa), Michel CAHEN (EHEHI - Casa de Velázquez / Sciences Po Bordeaux), António CORREIA DA SILVA (Université du Cap-Vert), Cristina NOGUEIRA DA SILVA (Universidade Nova de Lisboa)
Org.: Instituto de Ciencias Sociais da Universidade de Lisboa « Groupe de recherche sur les Empires, le colonialisme et les sociétés post-coloniales », École des hautes études hispaniques et ibériques (Casa de Velázquez, Madrid)
Datas: 2-3 Julho de 2018
Localização:
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
Lisboa, Portugal (www.ics.ul.pt)
Solicita-se a submissão de um resumo de 250 palavras, bem como o envio de uma breve exposição sobre os interesses de investigação e pesquisas atuais para: subjectividadesescravas@gmail.com
Calendário:
Prazo para a submissão de propostas (resumos): 31 de Outubro de 2017
Selecção de propostas e comunicação dos resultados aos participantes: 20 de Novembro de 2017
Pré-circulação de um resumo do paper aos comentadores: 30 de Maio de 2018
Línguas de trabalho: Inglês, Português, Espanhol
Inscrição é necessária (mais informação será dada brevemente)
Apresentação
Entre 1760 e 1860, na América do Norte e na Inglaterra, foram publicadas cerca de 70 narrativas de escravos, escritas na primeira pessoa . "Eu fui escrava, senti o que uma escrava sente, sei o que uma escrava sabe ... Ouvi de uma escrava o que uma escrava sentiu e sofreu", escreveu Mary Prince, em 1831, descrevendo desta maneira a sua condição de escravizada. Não surpreendentemente, este tipo de narrativas são lugares privilegiados (embora não únicos) para investigar as ‘subjetividades escravas’, i.e., a consciência que as pessoas escravizadas tinham da sua condição - nas palavras de Frederick Douglas, em 1845, "a minha condição miserável, sem remédio ". Juntamente com as entrevistas a antigos escravos e seus descendentes, estas narrativas - algumas das quais até retrataram a escravidão como uma instituição benigna -, são portas de acesso às ‘subjectividades escravas’, tendo suscitado, nas últimas décadas, o interesse da academia. Umas e outras também disponibilizam informação crucial para estudar a construção da memória pública da escravidão. As crenças religiosas, o mundo afetivo, as mundovisões, os modos de resistência, as experiências quotidianas, as memórias pós-escravidão, tornaram-se, dessa forma, mais acessíveis, especialmente para aqueles que estudam a escravidão do Caribe e da América do Norte, onde a maioria destes documentos foi produzida.
Em contraste com a historiografia sobre esta dimensão da experiência das populações escravizadas no Atlântico Norte e no Caribe, é escassa a literatura que a estuda nos mundos ibéricos. De facto, as regiões e sociedades da Ásia, Oceânia, África e Américas que estiveram sob a dominação política e/ou cultural ibérica durante os séculos XV até XX, bem como as regiões e sociedades que, desde o século XIX em diante, experimentaram uma condição pós-colonial, atraíram uma menor atenção no que a esta dimensão da experiência diz respeito. Uma das razões explicativas para esta escassez de estudos é a raridade de escritos de escravizados na primeira pessoa, quer narrativas, quer entrevistas. Será que esta ausência resulta das culturas políticas e das estruturas culturais que caracterizaram os mundos ibéricos e as suas formas de colonização? E quais são as diferenças que se podem identificar entre a experiência portuguesa e a experiência espanhola? Como é que essa discussão nos pode ajudar a comparar experiências nos, e para além dos mundos ibéricos? A este primeiro conjunto de questões pode ser adicionado um segundo: Como é que os investigadores que trabalham sobre as formas ibéricas de escravidão, onde as narrativas de escravizados na primeira pessoa são raras, podem acedem às suas experiências, aos seus pontos de vista, às suas vozes? Como é que se pode aceder à sua memória? Que fontes históricas e "arquivos" podem ser utilizados para reconstruir essas dimensões cruciais da história da escravidão?
Objectivos
A conferência “Subjetividades Escravas nos Mundo Ibéricos (sécs. XV-XX)” tem como objetivo abordar estas questões e discutir as formas de estudar as experiências das populações escravizadas nos mundos ibéricos. Um conceito heurístico aberto, as ‘subjetividades escravas’ permite-nos entender as múltiplas formas através das quais pessoas escravizadas se auto-percepcionaram dentro das estruturas da escravidão, individual e coletivamente, incluindo a maneira como manejaram, estrategicamente, a sua condição de escravizados, do ponto de vista político, cultural, social e económico.
Pretendemos identificar e analisar percepções, sentimentos, sonhos, medos, memórias, crenças, estratégias, utopias e distopias em contexto ibérico, bem como, tendo em conta as diferentes posições que os escravizados podiam ocupar, as suas auto-percepções identitárias.
Mais do que abordagens clássicas das experiências de pessoas escravizadas, tais como as histórias tradicionais sobre revoltas de escravizados, ou as das suas experiências tal como estas surgem descritas nas narrativas hegemónicas, gostaríamos de instigar estudos sobre a sensibilidade e a consciência dos que foram escravizados, observar os processos históricos a partir dos seus pontos de vista, e as formas como eles se entendiam e se definiam. Assim sendo, convidamos os investigadores dos colonialismos ibéricos a abordar analiticamente estas múltiplas expressões da experiência de pessoas escravizadas nos territórios ibéricos (metropolitanos, coloniais e pós-coloniais), a partir de material empírico e de reflexões/propostas teóricas. A conferência tem dois grandes propósitos: por um lado, estimular o estudo das experiências de pessoas escravizadas como fenómeno histórico nas diferentes geografias e temporalidades dos colonialismos ibéricos, comparando-as com outros colonialismos (europeus e não-europeus). Por outro, reavaliar o potencial e as limitações do estudo dessas experiências nos mundos ibéricos, convidando os investigadores a pensar sobre as condições de produção de conhecimento sobre estas temáticas, e sobre metodologias de análise alternativas.
A conferência é multidisciplinar, e pretende reunir historiadores, antropólogos, arqueólogos e outros cientistas sociais e das humanidades. A par disso, encoraja uma análise comparativa em relação a diversos lugares e períodos históricos. Os estudiosos que trabalham a escravidão em qualquer situação histórica e localização espacial ibérica, do século XV ao século XX, são particularmente bem-vindos. Esperamos propostas de investigadores sénior, pesquisadores no início de carreira, e estudantes de pós-graduação, que assentem sobre materiais empíricos, refletindo, ao mesmo tempo, conceptual e analiticamente, sobre as experiências e subjectividades das pessoas escravizadas relacionadas com os seguintes tópicos:
1) As condições teóricas e metodológicas do estudo das ‘subjectividades escravas’ nos mundos ibéricos. O objetivo é estimular uma discussão sobre arquivos, fontes e metodologias, bem como identificar novos arquivos e fontes que permitam aceder a estas dimensões menos conhecidas da experiência. Em particular, gostaríamos de mapear, para os mundos ibéricos, autobiografias e memórias pós-escravidão, ou fontes equivalentes, e o modo como estas nos "apresentam" e nos "falam” das ‘subjetividades escravas’.
2) As diferentes dimensões das ‘subjectividades escravas’. O objetivo é identificar como é que as pessoas escravizadas experienciaram a sua vida, desde as crenças até à viagem transatlântica, da afetividade ao trabalho, do consentimento ao desacordo.
Serão privilegiados os seguintes tópicos :
- Mundovisões, crenças, sonhos e imaginação religiosa. Como é que os escravizados viam o mundo? Quais foram os seus entendimentos da transcendência e da alteridade? O que é que eles entendiam por religião? Quais eram as suas utopias e distopias?
- Medos, ansiedades e práticas religiosas. A viagem transatlântica foi, no geral, uma experiência traumática, já que muitas pessoas morreram durante o percurso. Viagens de outros e para outros lugares podiam ter o mesmo impacto. Como é que estas pessoas lidaram com essa experiência? Como é que os sobreviventes experienciaram a memória da passagem? Que práticas tranquilizavam as ansiedades das pessoas? Qual foi o papel das instituições religiosas – católicas, nomeadamente - enquanto meio de lidar com essas e outras ansiedades?
- Percepções de si-mesmo, afetividades, identidades sociais, hierarquias sociais internas. Frequentemente, os escravizados não se auto-percepcionavam apenas como "escravos". Como é que se viram em diferentes contextos? Como é que interagiram com as pessoas livres? Como é que as micro-sociedades de escravizados operaram? Quais foram as hierarquias sociais internas aos grupos escravizados? Quais eram os lugares que mulheres, crianças e a homossexualidade l aí ocupavam?
- Formas de resistência dos escravizados. Nesta conferência gostaríamos de abordar o tema, amplamente estudado, da resistência e das revoltas de pessoas escravizadas, não a partir dos seus impactos, mas considerando, sobretudo, a experiência do escravizado e a sua consciência da resistência, tanto na vida quotidiana, como em revoltas abertas.
- Libertos e trabalho forçado. O objetivo é entender as experiências dos escravizados que foram libertados, mantendo, porém, modos de vida semelhantes aos da escravidão, nomeadamente por estarem envolvidos em situações de trabalho forçado.
Prazo para a submissão de propostas: 31 de Outubro de 2017.
Estructura da conferência
A conferência pretende incentivar a discussão e o debate.
Antes do seu início, espera-se que os participantes enviem um paper, que será pré-circulado entre os participantes e os comentadores de cada painel. Este consistirá num resumo substancial (até 4000 palavras) da investigação realizada. Com o objectivo de estimular a discussão, os moderadores comentarão cada estudo do painel que dirigem.
Uma discussão aberta a todo o público participante seguir-se-á.